"Aqui e Agora", performance de Nelson d'Aires, Cineteatro António Lamoso (Palco), 3 de novembro de 2022. Fotografias © Cineteatro António Lamoso.
Diário de Bordo
por Diogo Sottomayor
Terceiro dia
“O meu medo.
Eu acho que não é um medo.
Os nossos corpos não duram para sempre.
Entre corpo e subjetividade.
Entre subjetividade e tecnologia.
Onde é que acaba uma coisa e começa a outra?”
A nossa tarde começou com Joclécio Azevedo, numa espécie de tratado entre arte e tecnologia. Através do texto, em vários media, e criado de diversas formas, o criador questiona-se sobre a utilização da tecnologia em todas as dimensões da nossa vida. O interessante aqui é que o criador não dá respostas, mas faz perguntas. Questiona, junto de nós, e num movimento de proximidade – no final, a filmagem é apenas a sua boca enquanto diz um texto, também ele com o auxílio da tecnologia – uma alusão que poderíamos associar a Beckett, mas que, na verdade, é uma utilização da tecnologia em prol de um discurso que vai vivendo na peça. Como se não bastasse, Joclécio tem também uma proposta de expansão. O texto que é dito, e projetado, perde as suas características de informação, passando a cenografia; aliás, como defende Rachel Hann na sua obra sobre a cenografia expandida, podemos atestar que a cenografia, por vezes, não é palpável. As ideias e os pensamentos, apesar de terem um medium, não é obrigatório que sejam usados apenas de uma forma.
Excerto de "Cartas de Recomendação", de Joclécio Azevedo. Filmagem de Alexandra Couto. Blackbox do Imaginarius Centro de Criação, 3 de novembro de 2022.
Diogo Sottomayor
Registo fotográfico realizado por Jani Nummela (3 de novembro de 2022). Artistas: Joclécio Azevedo e Miguel Pereira. Black Box do Imaginarius Centro de Criação.
Sobre "A Dança da minha História" de Miguel Pereira
por Alexandra Couto
Dizem que os melhores são também os mais humildes. É discutível, sobretudo quando o estômago não alinha em falsas modéstias e a investigação médica vem comprovando que a sanidade depende da (tendencialmente pouco apreciada) franqueza. A humildade pode, por isso, ser clinicamente desaconselhada. Sã mesmo, a sério, pode ser é a vaidade. Mas mesmo que essa seja justa, merecida e até racional, já a sua aprovação por terceiros é outra conversa, porque o reconhecimento externo do mérito depende sempre de análises subjetivas, tão aleatórias quanto o gosto pessoal. E é por isso que “A dança da minha história”, pelo bailarino e coreógrafo Miguel Pereira, tem a sorte de não precisar de críticas adjetivadas e de se bastar com os factos. Um facto, o primeiro, é que essa conferência-performance é a cronologia da carreira de um artista com mais de 20 anos de experiência. Outro facto é que esse artista assume aí em que medida foi influenciado e inspirado por colegas reais e por criadores afetos ao imaginário coletivo. Facto ainda mais evidente é que ele expõe os seus sucessos e fracassos com o público, numa narrativa sem peneiras e despojada daquela sonsice que são os pruridos de isenção ou magnanimidade. Miguel Pereira é quem é, gosta de quem gosta, quer o que quer e, pelo menos durante aquelas duas horas, parece passar bem sem a validação dos outros. Muitas conclusões se podem tirar daí. Mas a minha preferida é que este sneak peek aos bastidores da sua carreira é serviço público. Ser-vi-ço pú-blico. Este confessionário pessoal é a materialização literal, concreta e exata da «formação de públicos», essa expressão cliché e pastiche que, de tanto pontuar agora qualquer discurso de estratégia cultural, já perdeu sentido real e, na prática, soa a nada. O que Miguel Pereira ali fez foi, de facto, formar aquele público específico. Ensinou-lhe coisas, revelou-lhe técnicas e práticas, apontou-lhe riscos e oportunidades, admitiu medos e handicaps, deixou conselhos e avisos. Deu ao público mais conhecimento do que aquele com que o público lá chegou. Se foi politicamente correto ou não, elegante ou não, outro-adjetivo-qualquer ou não, que decida cada espectador e formando. Mas, the fact remains, Miguel Pereira prestou um serviço pedagógico àquela plateia e fê-lo com a generosidade de quem se expõe para ajudar os outros nos seus percursos e escolhas. “A dança da minha história” devia andar de porta em porta, de escola em escola, de associação cultural em associação cultural, a abrir os olhos a muita gente. Para uns saberem no que se metem quando decidem seguir uma vida de palco e outros perceberm o tanto que está por trás daqueles glamorosos e escassos minutos de cena.
"A Dança da minha História", de Miguel Pereira; registo vídeo/fotográfico de Alexandra Couto na Black Box do Imaginarius Centro de Criação, 3 de novembro de 2022:
Alexandra Couto
Aqui e Agora
Vê-se sempre a distância numa fotografia. Ela é o intervalo entre lugar e tempo: o lugar em que é feita e o tempo em que é dada a ver. Essa distância que é dada a ver é um salto, a sua presença permite a de outra coisa. “Aqui e Agora” é uma apresentação-performance de fotografias que Nelson d’Aires ensaia em palco a partir do arquivo fotográfico que criou entre 2021 e 2022 no território onde nasceu e viveu a maior parte da sua vida.
Nelson d'Aires
"Aqui e Agora", fotografias promocionais de Nelson d'Aires.
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